quarta-feira, 6 de junho de 2012

POR QUE A F1 NÃO VIROU UMA LOTERIA*

* Por Jonathan Noble - do Autosport.com

Alguns rotulam como caos. Com seis vencedores desde o início do campeonato, seis homens diferentes cravando voltas rápidas e cinco pilotos diferentes na pole até agora neste ano, a F1 enfrenta uma série de críticas. Isto é, a temporada mais imprevisível estaria se tornando nada mais do que uma loteria.

Os torcedores irritados apontam seus dedos para a Pirelli, cujo desgaste nos pneus tem sido apontado como um fator fundamental e decisivo no desempenho dos times. Os descontentes afirmam que a F1 agora depende totalmente de sorte, isto é, como uma equipe opta por um pneu certo em determinado final de semana: se escolheram o correto, ela vence; se não escolheram, foi o fim de jogo.

É uma visão que, para um esporte extremamente complexo como a F1, é muito simplista. Porque, se você sentar e falar com todos que estão no centro da situação, logo perceberá que o fator Pirelli não é a causa do que está acontecendo; é o efeito de algo ocorrido no ano passado.

Lembra da teoria do caos? Que pequenas diferenças em condições iniciais para um sistema podem produzir resultados extremamente divergentes, impossibilitando previsões a longo prazo mesmo se o futuro for determinado inteiramente por este primeiro impulso?

Isto é, uma pequena mudança na atmosfera determinada pelo batimento das asas de uma borboleta na Grã-Bretanha pode causar, meses depois, a criação de um tornado na América.

É esta “teoria do caos” que estamos vendo na F1 neste ano: uma pequena decisão realizada há pouco tempo resultou na reestruturação do esporte, que ganhou uma nova cara, e um início de temporada inédito.

Para entender exatamente como chegamos a isso, não deveríamos observar as decisões tomadas nos escritórios da Pirelli em Milão, no início do ano. Ao contrário, o momento chave foi o encontro realizado pelo Grupo Técnico da FIA no fim de 2011 que decidiu pelo banimento do difusor soprado.

A temporada 2011 foi efetivamente decidida pelos difusores soprados. A equipe que melhor desenvolveu o dispositivo – Red Bull – disparou no campeonato e sua única concorrente, a McLaren, só entrou na briga após trocar sua versão de escapamento por outra baseada no conceito da RBR, a poucos dias do início da campanha.

Durante o ano, a Ferrari progrediu na área, mas não foi o suficiente; a temporada da Renault foi arruinada por um escapamento dianteiro que nunca permitiu o funcionamento do difusor soprado; e o conceito básico do carro da Mercedes não se adaptou bem ao dispositivo. Outras equipes, como Sauber e Williams, nunca trabalharam bem com os difusores soprados e realmente se arrastaram na temporada.

Como a tecnologia do difusor corria risco de sair do controle – especialmente em termos financeiros –, a FIA agiu de acordo com o interesse do esporte e os baniu para 2012.

A proibição teve duas grandes consequências determinantes para o que estamos vendo neste ano: ajudou a aproximar o nível competitivo das equipes e produziu carros com menor downforce na traseira, o que teve um grande efeito no desempenho dos pneus.

Em termos competitivos, a vantagem de um segundo experimentada pela Red Bull em relação à oposição foi imediatamente apagada, em uma era onde se torna muito difícil encontrar vantagens em outras partes do carro diante de um regulamento técnico cada vez mais restrito.

Equipes como Williams e Sauber, que enfrentaram problemas com os difusores soprados e fizeram campanhas ruins em 2011, começaram a atuar em um maior nível, enquanto Lotus e Mercedes entraram na luta pelo título de 2012.

As evidências da temporada até então mostram o quanto a F1 ficou equilibrada em termos de competitividade – e como se afastou do que era em 2011. Analisando as batalhas do Q2 em Espanha, China e Mônaco, a comparação entre os tempos necessários para avançar ao Q3 é muito menor neste ano.

Em Mônaco, o 11º mais rápido – portanto, o primeiro carro na lista dos que ficaram fora do Q3 – ficou a apenas 0s510 do melhor piloto da segunda fase. No ano passado, a diferença foi de 1s540, e em 2010, 0s942.

Isto se repetiu em outras provas: na Espanha, os intervalos foram de 0s839 (2012), 1s691 (2011) e 1s330 (2010). Na China, a diferença foi ainda mais apertada: 0s331 (2012), 1s388 (2011) e 0s820 (2010).

Em Mônaco, única pista em que se usou um composto semelhante ao do ano passado (o supermacio é quase a mesma borracha), a disputa foi notavelmente próxima.

Em 2010, os cinco mais rápidos em Mônaco ficaram dentro de 0s606. Na temporada seguinte, o intervalo dilatou para 1s126 e, neste ano, encurtou para apenas 0s338. O intervalo entre o primeiro e o segundo colocado também sustenta a tendência: em 2010, era de 0s294; em 2011, 0s441; e neste ano, 0s080.

Este nível competitivo faz com que a punição por perder alguns décimos de desempenho seja maior. A diferença de 0s441 entre Jenson Button e Sebastian Vettel em 2011 assegurou uma vaga na primeira fila ao inglês; neste ano, com este tempo, ele largaria apenas na sexta colocação. O pelotão está realmente próximo.

Com a capacidade de proporcionar um melhor desempenho diante de um limitado desenvolvimento aerodinâmico e a boa qualidade dos pilotos, o elemento do pacote que ganha os décimos de segundo necessários para estabelecer a diferença entre o quinto lugar e o pole são os pneus.

No ano passado, pilotos como Vettel e Webber poderiam ter perdido quatro décimos de segundo por não adequarem os pneus a Mônaco e não faria uma única diferença para as posições finais do grid. Em 2012, seriam cinco ou seis postos perdidos.

Para aumentar ainda mais a mistura, há o fato de os carros terem menor downforce traseiro por conta do banimento dos difusores soprados. Isto provoca dois efeitos: primeiramente, com a mudança na janela de temperatura de aquecimento dos pneus, os compostos muitas vezes esfriam pois não há muita energia empregada neles. Na sequência, com o problema na pressão aerodinâmica, os carros estão mais propensos a saírem de traseira. As rodas, assim, deslizam mais, o que aumenta a degradação e o desgaste dos pneus.

O maior problema para as equipes na hora de ganhar aderência com os pneus neste ano é manter os quatro cantos do carro em uma perfeita janela de temperatura – algo particularmente difícil principalmente de se obter com a frente e a traseira.

Aqui outras questões também entram em jogo. Com a obrigatoriedade na distribuição do peso, as equipes não podem deslocar muito o lastro para ajudar a equilibrar os carros como gostariam. E ainda: a partir do fim do reabastecimento da F1, é muito difícil estabelecer um equilíbrio trabalhando com 150 kg de combustível a bordo, assim como 10 quilos – especialmente com as restrições do parque fechado.

As equipes sabem exatamente o que precisam. Os pneus supermacios precisam trabalhar em 95º C, os macios em 105º C, os médios em 115º C e os duros em 125º C.

No entanto, para se trabalhar uma janela de 20º C em cada lado, como harmonizar os pneus dianteiros e traseiros durante um stint com macios no início da corrida, com alta carga de combustível, sem prejudicar a janela dos duros para o fim – principalmente quando a temperatura da pista repentinamente aumenta ou diminui em 10º C entre a classificação e a corrida, como muitas vezes aconteceu neste ano?

Lentamente, as equipes começam a entender o que precisam fazer, mas no início do ano, as pistas são poucas: por isso, há estas flutuações. As coisas estão se acalmando agora. Basta olhar para a Mercedes: na Austrália, os pneus aqueceram demais; na Malásia, esfriaram muito; e, em seguida, Nico Rosberg foi o piloto que pontuou mais no pelotão.

Não é caos, é ordem. É engenharia, resolução de problemas e talento vindo à tona. Se fosse aleatório, por que então teríamos, entre os sete melhores pilotos da tabela, cinco campeões mundiais?

Daqui a seis meses, quando olharmos para trás, as respostas – e por que um homem ou outra equipe finalmente saíram por cima – ao que ocorre agora estarão lá. E não será porque ele comprou o bilhete de loteria certo.

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